DESCUBRA OS FATORES QUE MAIS PREJUDICAM AS ONDAS BRASILEIRAS
Mar mexido, marolas, ondas fechadeiras… Entenda o porquê o Brasil recebe condições adversas ao surf.
A qualidade das ondas brasileiras é algo sempre discutido quando a etapa do Circuito Mundial se aproxima. Depois de ver as perfeitas e gigantes ondas de Margaret River quebrarem na semana passada para a segunda etapa do Tour este ano, já começamos a pensar na qualidade das ondas de Saquarema, onde irá acontecer a quarta parada rumo ao título mundial em maio.
Mas existem razões geográficas para não termos a melhor qualidade das ondas, apesar de possuirmos uma costa que equivale à aproximadamente três vezes o tamanho do litoral peruano, dez vezes a extensão da costa portuguesa e 20 vezes mais longa que o perímetro da ilha de Oahu, Hawaii.
Partindo daí, resolvemos descobrir de onde vem esse “azar” natural. E dentre tantas características necessárias para formar boas ondas, encontramos vários fatores negativos no litoral brasileiro que explicam porque a nossa etapa do Circuito Mundial volta e meia decepciona. Confira!
Saquarema, quarta parada rumo ao título mundial este ano. Foto:Pedro Monteiro.
Ondulações (swell)
A grosso modo existem dois tipos de ondas produzidas pelo vento: as vagas e as marulhos.
As vagas são as ondas que ainda estão recebendo a energia do vento. Já as marulhos, também chamadas de ondulações ou swell, são as que estão viajando pelo oceano e que se dividem em groundswell e windswell.
A diferença entre os dois é a distância que o vento percorre em alto mar. O groundswell são as ondas formadas pelos ventos que se movem em longas distâncias até chegar à costa. Quanto mais longínqua for a tempestade, isto é, quanto maior for a distância que ela percorrer, melhores serão as ondas e maiores serão os períodos entre elas. “Um swell que viajou 5.000 km, por exemplo, vai estar muito mais organizado que outro que viajou apenas 500 km”, explica o oceanógrafo Eloi Melo.
Lembrando a diferença dos tamanhos entre Oceano Pacífico e Oceano Atlântico, se percebe que a nossa costa recebe muito menos incidência de groundswell, já que a maioria das nossas ondas são formadas pelo que se denomina de ciclones extratropicais, com formação perto da costa.
“Um exemplo aqui pra nossa costa, das grandes tempestades longínquas, pode ser a Ilha de Fernando de Noronha, boa parte do swell que chega é oriunda de tempestades formadas no hemisfério Norte, isso implica dizer que são ondas que viajaram por muito tempo e chegam de forma organizada na costa”, afirma a oceanógrafa Deborah Aguiar.Os continentes localizados a oeste são naturalmente abençoados com groundswells, pois os ciclones se movem em direção leste, o que faz ventos mais fortes soprarem de oeste para leste.
Período
Período é o intervalo entre duas cristas de onda. Quanto mais longo for o tempo entre elas, mais organizada, forte e consistente uma onda será. O período depende da força que o vento sopra e a distância que ele percorre em alto mar. No Oceano Pacífico, o período das ondas é maior graças ao tamanho da área que o vento tem para atuar.
“No Peru, por exemplo, o período médio é de 15 a 18 segundos, essa distância faz com que a onda entre em séries mais demoradas, alinhadas e fortes. No Brasil, via de regra, varia entre seis e oito segundos formando ondas mais irregulares, seccionadas”, fala o surf repórter Ki Fornari.
Influência da costa e do período.
Profundidade
Para se ter ondas perfeitas no Brasil num cenário ideal, precisaríamos de uma plataforma continental mais curta e, como consequência, ter a profundidade (tamanho da talude) mais próxima da costa, como acontece no Hawaii.
“No litoral do Brasil podemos remar por 80 km e a profundidade não passa de 50 metros, comparando com os grandes picos de surf do mundo, a história é bem diferente, na Gold Coast (Austrália), Hawaii e Bali (Indonésia) à 80 km da costa você ainda está em águas profundas, ou seja, as ondas não estão sofrendo nenhuma perda de energia. Resumindo, elas chegam com mais consistência na costa”, esclarece Deborah Aguiar.
Vento Maral e Terral
A direção do vento no litoral influencia muito a qualidade da onda. O vento maral, que sopra do oceano para a costa (por trás da onda), deixa o mar mexido e irregular, achatando as ondas e fazendo com que se fechem mais rápido, criando condições mais propícias para manobras aéreas, por exemplo. Já o vento terral, da terra para o mar, encontra a ondulação de frente, alisa a textura, segura a parede e levanta a crista da onda.
Normalmente, o vento sopra do lugar mais frio para o mais quente. E no Brasil, principalmente no Sul, o oceano demora muito mais a esquentar do que a terra. Por isso, a manhã tende a ser a melhor hora para se surfar já que o continente ainda não esquentou (e ainda não baixou a sua pressão atmosférica a ponto de causar o deslocamento de ar, ou a popular ‘ventorréia’). Por isso também, as ondas do outono e inverno proporcionam melhores condições, uma vez que os dias são mais frios e quando rola o terral ele tende a perdurar por mais tempo.
No entanto, a chegada de vento terral varia com a direção e o sentido que o vento sopra em determinadas praias. Algumas enseadas mais recortadas não dependem do vento continental para receber o terral, é o exemplo da praia de Itapirubá, Santa Catarina.
Vento terral é certeza de boa formação. Foto: Nick LaVecchia.
Fundo
Basicamente existem três tipos de fundo. Os beach breaks, ou fundos de areia, são os mais instáveis. Por serem facilmente maleáveis, as ressacas e marés formam buracos e bancadas irregulares interferindo na energia, velocidade e altura das ondas. Esse tipo de fundo é uma boa opção para os surfistas iniciantes, já que as ondas são menores e mais fracas.
E mais uma vez, o Brasil foi escolhido para ter esse tipo de solo em quase todo o seu litoral! Das 10 etapas do WCT, apenas três são de beach breaks, Brasil, Portugal e França (pela característica, consideramos a Gold Coast um point break).
Os pointbreaks, ou fundos de pedra, proporcionam ondas mais alinhadas e geralmente mais longas. A praia do Silveira, em Santa Catarina, é uma dessas exceções brasileiras.
Nos reef breaks, fundos de recifes ou corais, as ondas se moldam de forma perfeita e constante, devido à estabilidade da bancada natural. Porém, para se aventurar nesses picos é preciso ter mais experiência, pois a vaca em reef breaks pode render cortes e “tatuagens” permanentes.
Desert Point, na Indonésia, uma das bancadas mais alinhadas do planeta é um exemplo, mesmo não tendo uma onda tão casca-grossa, até surfistas mais experientes já deixaram um bocado de pele por lá.
A solução?
O homem interfere na natureza buscando melhorar ou resolver os seus problemas. Seria possível dar a volta em Netuno e Iemanjá? Criar as tão sonhadas ondas perfeitas no Brasil? Hum…quase!
Logo que apareceram os primeiros projetos de bancadas artificiais, o sonho poderia ter se tornando real, mas não foi dessa vez. Elas até chegaram a ser instaladas em alguns lugares, como na Inglaterra, na praia de Bournemouth e em Kovalam, na Índia.
Feitas com sacos de areia gigantes, as bancadas não funcionaram exatamente como o planejado e atuaram mais como beach break do que reef breaks.
Como nos beach breaks, as marés modificaram a estrutura artificial criando fortes correntes e, eventualmente, os sacos se rasgaram. Enquanto esses projetos criados pelo homem não funcionam 100%, preferimos nos divertir com as nossas ondas mais ou menos.
Bancada dos sonhos.